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Síndrome de Burnout: porque devemos nos atentar aos sintomas

As consequências que estamos a vivenciar com a Pandemia Covid-19 (sim, ainda estamos a vivenciá-las), aliadas às exigências de efetividade, agilidade, produtividade, bem como a necessidade de ter de realizar uma infinidade de tarefas de maneira contínua e acelerada e por vezes, ao mesmo tempo, em especial durante as horas destinadas ao trabalho, podem desencadear uma série de implicações não tão positivas e afetar nossa qualidade de vida.

Esse cenário tem colocado em foco um problema de saúde mental que tem afetado a população mundial por mais de três décadas, apesar de ser conhecida como um fenómeno que acompanha as evoluções e as formas de relações profissionais estabelecidas, em especial, no decorrer do século 21.

Não, não estamos a falar da depressão ou da ansiedade (apesar de estas serem possíveis consequências).

A Síndrome de Burnout é a “bola da vez”.

A atenção aqui recai em percebermos o que é Burnout, quais são seus sintomas, e como essa síndrome impacta nas nossas relações interpessoais, na nossa satisfação e no nosso bem-estar psicológico (e físico) no trabalho e consequentemente, nas demais esferas de nossa vida.

A Organização Mundial de Saúde – OMS, em 2022 optou por conceituar Burnout como uma Síndrome resultante do estresse crônico decorrente das relações estabelecidas no local de trabalho. Existe uma ponderação importante na 11ª versão da Classificação Internacional de Doenças – um documento elaborado pela própria OMS que tem como objetivo uma padronização global para informações de diagnóstico de saúde, que indica que a Síndrome de Burnout “… refere-se especificamente a fenômenos no contexto ocupacional e não deve ser aplicado para descrever experiências em outras áreas da vida”. (World Health Organization [WHO], 2022).

Essa nova classificação da OMS destoa de discussões que defendem que a Burnout deveria ser vista como um problema de saúde pública e que, inclusive no ponto de vista político, são escassos o desenvolvimento de ações públicas que auxiliem no combate desse transtorno.

Ainda segundo a OMS não se deve confundir Burnout com outros transtornos de saúde mental, nomeadamente: o transtorno de ajuste, distúrbios especificamente associados ao estresse, transtornos relacionados à ansiedade ou medo e transtornos do humor (WHO, 2022).

Dentre os vários conceitos sobre o que é a Síndrome de Burnout, vamos fazer uso da explicação dada por Maslach e Jackson, que, apesar de ser de 1986, consegue abranger as principais características desta Síndrome e fundamenta seu diagnóstico desde então. Segundo os autores o Burnout apresenta três componentes principais que, segundo a OMS, devem ser condicionados ao contexto da interação do indivíduo com o trabalho /atividades laborais, a saber: 

a) Exaustão emocional: caracterizada por sentimentos muitos intensos de tensão emocional que implica numa sensação de esgotamento, acompanhado de desânimo, falta de energia e de recursos emocionais próprios para conseguir lidar com as rotinas práticas e interpessoais no âmbito do trabalho;

b) Despersonalização: diz respeito ao desenvolvimento de sentimentos, crenças e atitudes negativas e padrões comportamentais considerados inadequados ao contexto, em especial na relação com colegas de trabalho ou chefia, ou ainda, na execução das atividades e funções laborais. Deixa-se de ser empático e afetivo e as relações passam a ser mais impessoais. 

c) Redução da realização pessoal: o trabalho perde seu sentido por si só, desta forma, as atividades, os objetivos de curto, médio e longo prazo perdem sua importância e por este motivo, investir tempo ou quaisquer tipos de esforços se torna inútil. A desmotivação, falta de interesse são predominantes e a satisfação com o trabalho deixa de existir.

Por vezes, a falta de entusiasmo, a “sensação de que o trabalho perdeu o sentido”, a crescente vontade pessoal de trocar de profissão ou de local de trabalho, também podem ser aspectos que desencadeiam uma série de sintomas e sentimentos negativos e que, por sua vez, podem ser agravados ao ponto de dar-se início à sintomas de Burnout.

Não existe um consenso relativo aos sintomas, mas é preciso atentar-se a um conjunto de indícios (não necessariamente todos ao mesmo tempo) que, quando ocorrem de maneira recorrente e na relação do indivíduo com seu trabalho, pode caracterizar o diagnóstico de Burnout.

– Emocionalmente são evidentes sentimentos como a tristeza, a frustração, a apatia, a falta de prazer em atividades diárias, um grau mais elevado de irritabilidade, de sensação de injustiça ou de não se sentir recompensado, a baixa autoestima, a ansiedade ou depressão, dentre outros sinais;

– Na cognição os sinais de que algo não está indo muito bem recaem na dificuldade de concentração ou lapsos constantes de memória, uma maior lentidão na execução das atividades, pensamentos persistentes no trabalho (a famosa ruminação), a necessidade de controlar o que está por acontecer como forma de resolução de problemas, ou ainda, confusão mental.

– Os padrões comportamentais inadequados ao contexto são comumente associados a atitude crítica constante, impulsividade, ações em que a irritabilidade é expressa de maneira descabida e as relações são mais impessoais. Também é característico o abuso do consumo de substâncias como tabaco, bebidas alcoólicas, drogas ou medicação.

– A esfera social também é afetada à medida que o indivíduo escolhe se isolar e pode ainda apresentar comportamento conflituoso e sem empatia com os colegas de trabalho e em alguns casos, com familiares e amigos.

– Fisicamente são comuns enxaquecas, fadiga crónica, tensão muscular com dor, insónia, alterações do apetite, sistema imunitário fragilizado, problemas gastrointestinais, sensações constantes de falta de ar e ainda transpiração excessiva.

– A nível laboral, como se evidencia a falta de interesse em investir energia e afeto no trabalho, são comuns atrasos, maior quantidade de erros, menor produtividade e lentidão na execução de tarefas consideradas até mesmo simples, além do baixo nível de realização profissional e a constante vontade de desistir.

Seu diagnóstico ainda não é tão simples, pois seus sintomas podem ser facilmente confundidos com os sintomas de depressão, estresse ou ansiedade ou ainda transtornos de humor.

Por isso é importante a atenção aos principais componentes que caracterizam a Síndrome de Burnout – “1) sentimentos de esgotamento ou exaustão de energia; 2) aumento da distância mental do trabalho, ou sentimentos de negativismo ou cinismo em relação ao trabalho; e 3) uma sensação de ineficácia e falta de realização” (WHO, 2022), e a qual contexto (laboral) a Síndrome está condicionada.

Vale ressaltar que o diagnóstico deve ser realizado após avaliação por um profissional da saúde mental, seja este psiquiatra ou psicólogo.

Apesar da possível dificuldade em seu diagnóstico, quando o mesmo ocorre, são evidentes diferentes formas de tratamento e o foco aqui está em como a psicologia pode auxiliar nesse processo. Existem diferentes formas de a psicoterapia auxiliar para minimizar ou extinguir os sintomas:

– ao identificar os principais sintomas relacionados a Síndrome de Burnout, analisar que me maneira estes têm afetado as demais de dimensões de vida;

– Identificar as perspectivas que o indivíduo tem de si mesmo e o papel que desempenha como profissional independentemente do cargo que ocupa ou da função(ões) que exerce (em paralelo com os papéis que exerce nos outros aspectos da vida como por exemplo: pai ou mãe, filha(o), irmão, amigo(a), estudante etc.);

– identificar as possíveis crenças negativas de si próprio intensificadas em virtude da Síndrome de Burnout;

– identificar e propor modificações em padrões comportamentais considerados inadequados e que podem potencializar relações não saudáveis no trabalho;

– identificar e redefinir os significados que o indivíduo atribui a sua profissão, a incluir o cargo e as funções que exerce: objetivos, capacidades, habilidades, interesses etc.;

– redefinir objetivos individuais e que possam impactar de maneira positiva na satisfação profissional;

-identificar e potencializar os recursos emocionais para lidar, especialmente, com as situações que podem gerar estresse nas relações de trabalho;

– desenvolver estratégias de comunicação assertiva para um relacionamento interpessoal profissional mais saudável;

– desenvolver estratégias para a diminuir a ansiedade no trabalho;

– desenvolver estratégias para a gestão do estresse no trabalho e nas relações interpessoais dentre outras ações.

Atenção aos sinais que antecedem o diagnóstico de Burnout

As relações interpessoais, sejam com os colegas de trabalho e chefia, ou na relação com os clientes, aliadas às inúmeras atividades laborais, nos exigem, para além das capacidades técnicas, assertividade na comunicação, habilidades sociais e emocionais e padrões comportamentais considerados adequados para cada contexto. E, ainda assim, nem sempre conseguimos ter o “controle” necessário para que tudo ocorra bem na maior parte do tempo, afinal, nem tudo depende somente de nós mesmos a partir do momento em que existe a relação com o outro.

Com dias bons e noutros nem tão bom, é necessário que tenhamos atenção aalguns sinais a fim de perceber e promover ações (inicialmente pessoais e de autocuidado) para prevenir o aparecimento de sintomas que possam se agravar a ponto se indicar o diagnóstico de Burnout, a exemplo:

– perceber se o local no qual estamos a trabalhar ou a profissão que estamos a exercer é, de fato, algo que causa algum tipo de satisfação, pois, caso contrário, pode-se vivenciar uma série de implicações não saudáveis na relação de trabalho e desencadear os sintomas de Burnout;

– identificar quais eventuais contratempos na rotina de trabalho estão por se tornar fontes de estresse, desmotivação, descontentamento, frustração, tristeza ou, até mesmo, raiva ou outros sentimentos destrutivos;

– identificar por que e como esses eventuais contratempos na rotina de trabalho estão se tornando fontes de estresse e sentimentos de insatisfação;

– analisar se as possíveis fontes de estresse e sentimentos destrutivos são efetivamente advindos das relações de trabalho ou execução das atividades laborais ou, se são de outros contextos da vida e que, como consequência, estão a afetar o trabalho;

identificar se esses sentimentos destrutivos estão a ser assumidos como padrões de respostas comportamentais e de crenças emocionais e estão a conduzir as relações interpessoais no trabalho ou ainda, se estão a impactar na efetividade das atividades e funções laborais;

– analisar o contexto e perceber formas de manejo das situações no trabalho que causam estresse e os sentimentos atrelados a insatisfação,

– identificar os recursos comportamentais e de regulação emocional, bem como, as estratégias pessoais e de possíveis redes de apoio (chefia ou colegas de trabalho) disponíveis para lidar com cada evento que podem causar estresse ou sentimentos destrutivos e de insatisfação,

Esses são apenas alguns dos sinais de alerta que podem ser considerados e analisados para se perceber de que maneira estamos a lidar com nossas relações e a executar nossas atividades e funções no trabalho e como estas, por sua vez, estão a impactar a nossa qualidade de vida.

É importante frisar, contudo, que ter atenção a esses aspectos pode ser um processo complexo e difícil, em especial, quando se está envolvido afetivamente e emocionalmente em toda situação. Por isso, para além das estratégias para auxiliar no tratamento da Síndrome de Burnout em si, a psicologia tem um papel importante no processo de identificar as fontes de estresse e de insatisfação no trabalho, bem como identificar quais estratégias e capacidades temos disponíveis para lidar com essas situações de estresse e promover ações pessoais para prevenção do Burnout.

Nosso estilo de vida pode ser um dos aspectos considerados para que possamos prevenir de maneira direta ou indireta, os altos índices de estresse e sentimentos de insatisfação no trabalho. É importante percebermos, por exemplo:

– as horas a mais que investimos no trabalho e como essa disponibilidade impacta as demais esferas de vida;

– quanto de nosso tempo e energia física, emocional e afetiva investimos em nossos momentos de lazer com a família e amigos, nossos hobbies e planos pessoais, autocuidado e descanso, na prática de alguma atividade física ou nos cuidados com o sono e alimentação.

É essencial ficarmos atentos aos nossos sentimentos, nossas crenças e padrões comportamentais e como estamos lidando com nossa rotina de trabalho. Se existirem indícios de que as coisas não estão a andar muito bem e que a insatisfação ou frustração no trabalho estão a impactar de maneira significativa nas demais esferas da vida, é preciso repensar e agir para que as consequências não sejam ainda mais negativas a ponto de desenvolvermos Burnout.

Se esse diagnóstico já é uma realidade, é indispensável o acompanhamento de profissionais qualificados para que a qualidade de vida e a saúde mental e psicológica sejam restabelecidas de maneira efetiva.

Referências

Mateus, C. (2020). Stresse e burnout custam €3,2 mil milhões por ano às empresas. Expresso.

Maslach, C., & Jackson, S. E. (1986). Maslach burnout inventory manual (2nd ed.). Palo Alto, CA: Consulting Psychologists Press.

World Health Organization (2022). ICD-11:International Classification of Diseases for Mortality and Morbidity Statistics (11th ed.). https://icd.who.int/browse11/l-m/en

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