“Não consigo me divertir durante o final de semana, pois fico o tempo todo a pensar que deveria estar estudando…”.
“Sou mais impulsivo, só depois penso no que fiz, parece que sou movido por sentimento de culpa!”
“O que tem de mal ou me aventurar fora do casamento, é só meu marido não descobrir!”.
“Nossa, que bolo gostoso, como eu queria comer mais um pedaço!”
“Não vejo a hora de chegar em casa, trabalhar tantas horas e de maneira excessiva me impede de aproveitar o tempo com meus filhos…”.
A “culpa” envolve uma ‘comunidade’ poderosa. Está presente na figura do governo, do sistema judiciário, dos professores, dos pais, das relações amorosas e de trabalho, e até mesmo na necessidade que por vezes temos de querer atender as expectativas que os outros possuem sobre nós.
Essa ‘comunidade’ poderosa julga ou categoriza determinados comportamentos como “inadequado” ou adequado e os condena de acordo com a lei, as regras sociais e ou até mesmo, de acordo com as tradições familiares ou culturais que cercam nossa vida.
Em primeiro momento, é importante que saibamos que, de maneira geral, o sentimento de culpa pode ser considerado uma emoção positiva e construtiva, pois possibilita a pessoa distinguir que uma coisa é e o que deveria ser, ou ainda, distinguir quais comportamentos são considerados adequados nos diferentes contextos em que são estabelecidas as relações sociais. Ou seja, o sentimento de culpa está bastante relacionado com o sentido de “dever”.
No âmbito da psicologia, o sentimento de culpa tem um significado complexo e envolve vários outros conceitos. Envolve diversos aspectos como por exemplo, o filosófico, o teólogo e, propriamente, o psicológico.
Para tentar simplificar um pouco, podemos dizer que o significado de culpa para a psicologia pode estar amplamente vinculado ao conceito da angústia, ou seja, um mal-estar interno relativo a alguma situação. Ambas, a culpa e a angústia, possuem suas origens no conjunto do desenvolvimento afetivo, mas não são exclusivas em nenhuma das fases do desenvolvimento da personalidade.
O sentimento de culpa também pode estar relacionado a ‘falta’ ou a incapacidade de atender alguma expectativa, seja no âmbito pessoal ou no âmbito das relações profissionais, amorosas ou sociais.
Durante a infância é comum a dificuldade de a criança distinguir o sentimento de culpa de outros sentimentos mais básicos, como a raiva, a tristeza ou até mesmo a vergonha.
É importante, nessa faixa etária, perceber que o sentimento de culpa possui funções essenciais:
– no âmbito mais construtivo, por exemplo, o sentimento de culpa possui a função de conduzir a criança a perceber o que é certo e errado. Mesmo que de maneira mais simples, a criança aprende a avaliar quais comportamentos são mais adequados nos diferentes contextos em que vive, as regras e deveres na escola, nas brincadeiras com os colegas ou em casa, na rotina com a família.
– por outro lado, quando associado a sentimentos recorrentes de tristeza e raiva, com consequências menos saudáveis para o desenvolvimento da aprendizagem, a culpa pode ser um sinal de alerta para avaliar se o repertório comportamental e estratégias cognitivas que a criança possui são adequadas para lidar com a atividades, adversidades e as relações cotidianas.
As relações com os pais, irmãos, com os professores ou com os colegas da escola podem ser determinantes para que as crianças construam suas expectativas, seu repertório comportamental e padrões cognitivos para lidar com o sentimento de culpa. Essas relações também impactam e por vezes, direcionam como o sentimento de culpa pode afetar o desenvolvimento infantil saudável.
Na fase adulta, para além de estar relacionada com o reconhecimento de transgressões morais e legais, a culpa pode estar relacionada ao sentimento de fracasso, a depressão, altos níveis de ansiedade e vergonha.
Desenvolver estratégias que envolvem a regulação emocional e habilidades sociais podem ser opções para estabelecer comportamentos e pensamentos que priorizem uma vida diária mais saudável.
De maneira, mais geral, existem algumas ‘condições’ que podem intensificar ou aflorar o sentimento de culpa:
– Classificar determinados comportamentos ou pensamentos como “inadequados”, ou, ainda, concordar com quem os classificou dessa forma.
Quando categorizamos uma resposta ou pensamentos como pertencente à mesma classe de respostas ou padrões de crenças que sofreram punições em experiências no passado, tendemos a formar um conceito de “comportamento inadequado”.
Vamos deixar o termo “inadequado” entre aspas pois, a classificação de comportamentos como tal é arbitrária e depende de fatores pessoais, contextuais, legais e sociais.
Aprendemos a categorizar respostas, crenças ou comportamentos como “inadequados” ou “adequados” a partir de regras estabelecidas pela comunidade social e pelas consequências que ela aplica a esses comportamentos e pensamentos.
Nossa história de vida familiar, as tradições nas quais estamos envolvidos, bem como, a maneira como lidamos e julgamos as situações pessoais, também impactam em como categorizamos nossas respostas ou crenças como “inadequadas” ou “adequadas”, e consequentemente como alimentamos ou não, nosso sentimento de culpa.
Nem sempre é fácil identificar o comportamento “inadequado” e, mesmo assim, por vezes, o sentimento de culpa pode se tornar protagonista em determinadas situações. Quando isso acontece, é preciso termos atenção em qual contexto estamos, com quem estamos, e avaliar com cuidado toda a situação para averiguar de onde vem esse sentimento de culpa. Inclusive se ele é coerente ou não.
– Reconhecer que emitimos um comportamento “inadequado” e ou reforçamos um pensamento ou crença “inadequada”, e como tal, podem ou merecem ser ‘punidos’ ou reavaliados.
Quando avaliamos determinado comportamento como “adequado” ou “neutro”, tanto para nós mesmos ou para quem nos cerca, ou seja, quando não reconhecemos ou classificamos uma resposta como um comportamento ou pensamento “inadequado”, não estabelecemos razões para nos sentirmos culpados. Ou seja, é preciso que reconheçamos que estamos a nos comportar ou a reforçar alguma crença como “inadequada” para que o sentimento de culpa exista.
Além disso, quando nossas respostas são avaliadas pela sociedade, por regras já estabelecidas por exemplo, como comportamentos “inadequados” e não estamos dispostos a reconhecer tais respostas da mesma forma, a tendência é nos sentirmos injustiçados. Tal situação pode nos gerar “raiva” ou até medo, mas de forma alguma, nos gera o sentimento de culpa.
Contudo, é indispensável termos em conta que reconhecer que nos comportamos, de fato, de maneira “inadequada”, não deve ser considerado um justificativa pelo qual devemos esperar, sempre, alguma punição, mas sim, para dar início ao desenvolvimento de repertórios comportamentais e estratégias mais adequadas para lidarmos de maneira construtiva com o que é imposto pela sociedade.
Claro que, por vezes, para além da culpa que pode ser inevitável, as regras e convenções sociais, em especial no que tange às questões jurídicas e regras de conduta, estabelecem formas de “punição” aos comportamentos “inadequados”.
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Para além disso, no que confere às questões psicológicas, é essencial percebermos, em um âmbito mais individualizado e pessoal, como lidamos com a culpa e como nossos padrões comportamentais e crenças impactam nesse sentimento. E ainda, como as nossas relações são construídas e mantidas, em especial, no que se refere a estabelecer as justificativas que alimentam o sentimento de culpa. Se nosso sentimento de culpa tem coerência ou não.
Em um processo psicoterapêutico vários são os caminhos para percorrer no que se refere a esse sentimento de culpa. A psicoterapia pode atuar de diferentes formas para auxiliar crianças e adultos a perceber e a lidar com os sentimentos de culpa, por exemplo:
– estabelecer algumas considerações para a definição de ´culpa’,
– analisar as situações e os contextos em que as respostas ou as crenças que potencializam nosso sentimento de culpa são emitidas ou estabelecidas como verdades para avaliar se esse sentimento é coerente;
– auxiliar na avaliação se, de fato, nossas respostas comportamentais ou padrões de crenças são adequadas ou inadequadas e quando elas geram o sentimento de culpa,
– avaliar os aspectos positivos e negativos do sentimento de culpa,
– avaliar como atribuímos ou nos é atribuída a culpa,
– desenvolver estratégias de regulação emocional e habilidades emocionais para aprender a lidar com a culpa e perceber a função construtiva que ela possui na vida diária,
– avaliar a existência de condições psicológicas e que afetam nossa saúde mental, como por exemplo, a depressão, que pode potencializar o sentimento de culpa.
Você já percebeu como esse sentimento de culpa impacta sua vida, ou na vida das pessoas com quem você convive?